Aos nossos olhos, a ideia de haver alguém que vive com a carne humana como principal alimento parece a coisa mais terrível do mundo. Ser canibal é algo que não compreendemos e que, muitas vezes, rejeitamos sem sequer pensar que aquelas pessoas vivem numa outra cultura, numa outra sociedade, com uma outra forma de ver o mundo. Temos a mania que somos superiores a tudo isso, convictos que estamos de viver numa sociedade melhor que todas as outras. Mas será que é mesmo assim?
A meu ver, em pleno mundo ocidental, o canibalismo existe. Não que nos andemos a alimentar, no sentido literal da palavra, da carne do próximo, mas no nosso tão superior mundo esta prática está presente, assumindo contornos mais requintados e aceitáveis. Somos canibalizados todos os dias no emprego e na forma como nos tratam como uma massa produtiva que, quando já não serve, é atirada ao lixo tal como fazemos com os restos dos ossos e espinhas da nossa comida. Somos canibalizados quando andamos em transportes apertados tal como vacas e bois a caminho do matadouro. Somos canibalizados porque somos encarados como um grande rebanho que presta uma estranha Fé a um pastor que se esconde atrás dos grandes grupos económicos. Ainda acham que o canibalismo não existe no nosso perfeito e tão superior mundo?
Pois bem, passemos então ao campo das relações humanas. A facilidade com que se troca de pessoas e a simplicidade com que hoje se engata alguém com quem acabamos por ter sexo, sem sequer saber o seu verdadeiro nome, é o exemplo mais gritante do quão canibais nos tornámos. A internet é um dos grandes "talhos´" ao dispor de quem quer "adquirir" a carne e o suor humanos. Hoje é mais simples optar por uma vida rápida e plena de momentos fugazes nos quais se dá uma queca com amizades mais ou menos coloridas. É mais fácil e não chateia tanto. Temos ali a pessoa e de vez em quando lá vamos "petiscar" mais um pouco. E o que é que fica depois disso? Nada. Vamo-nos alimentando dos sentimentos de alguém (que até pode muito bem gostar de nós sem suspeitarmos) algo que, quanto a mim, é muito mais cruel do que aquilo que os verdadeiros canibais fazem. É que pelo menos eles matam a pessoa por razões de sobrevivência e tudo acaba ali. Nós fazêmo-lo com um outro requinte, de forma mais dolorosa que deixa marcas em alguém que vai ter que continuar a viver com isso.
Agora digam-me: quem são, afinal, os verdadeiros canibais? Quem são os piores? Eles (os verdadeiros que matam para sobreviver) ou nós adquirimos a carne e o suor humanos nos grandes e modernos "talhos" que estão ao nosso dispor à distância de um clique (e não só)? Digam-me, ainda acham que eles são piores e mais cruéis que nós?
PS: Para reforçar a ideia do meu texto leiam o post "pecado comum" no blog where you hide, , de Pedro Monteiro.
2 comentários:
Sem comentários. Uma analogia real e completa do nosso mundo. Usando a tua ideia acho realmente que o teu e o meu texto ("Pecado comum") se completam na perfeição. Embora, como tu sabes, a minha ideia surgiu da tua ideia. Mas não é grave visto o fim ter sido muito positivo. Obrigado pela atenção assídua amigo. Ass. Peco
amarga mundo este em que vivemos.. doce ingenuidade a minha ao acreditar que pode não ser assim.
cat
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